O que é Literatura Moderna? Faulkner nos ajuda a responder em Absalão, Absalão. Dentro de sua forma narrativa, o autor americano relaciona de maneira muito íntima experiência e estrutura da obra. Nesse sentido, a obra de Faulkner apresenta em si a qualidade e o dilema do Modernismo.
Ao aparecer como experiência estética limítrofe, o romance lança mão de algumas estratégias narrativas diferenciadas, desde aquilo que se chama de mediação complexa até a narrativa em abismo radicalmente escrita. Nesse caso, toda uma experiência sulista norte-americana tenta sobreviver com algumas de suas contradições entranhadas em descontinuidades temporais de gerações diferentes e conflitantes em tempos tão revoltosos. Essas descontinuidades são tratadas esteticamente dentro do conceito de falência (ou não) da transmissão da experiência.
Faulkner faz isso de maneira sofisticadíssima e se torna uma obra de referência ao experimentar brilhantemente alguns recursos literários recorrentes no século XX. Entretanto, a obra é sim hermética e pode causar desconforto inicial. Obviamente trata-se aqui de um universo próprio recriado e estetizado de maneira a lançar um olhar sobre a realidade, configurando-se como forma de conhecimento apurada que faz isso a partir de um enclausuramento no campo literário. Esse campo vai ganhando muita autonomia desde o século XVIII, sendo o ápice desse processo justamente o início do século XX. Dentro desse contexto, a obra moderna foi considerada muitas vezes como arte para iniciados e, sim, o livro de Faulkner se inscreve nessa descrição.
O que deve ser considerado, nesse caso, é: o conhecimento veiculado por Absalão, Absalão consegue transcender suas próprias fronteiras? E, sim, isso é importante, porque nesse espaço ninguém despreza o leitor comum. A resposta só o contato com a própria obra pode demonstrar. Mas a opinião desse que vos escreve é que, em vários momentos, a prosa de Faulkner transcende o campo literário fechado em si mesmo, sem, contudo, deixar de se entranhar em todas as suas possibilidades e limitações. É dialético e complexo assim mesmo.
Literatura Suja
segunda-feira, 22 de julho de 2013
terça-feira, 24 de janeiro de 2012
Amuleto
Qual é o grande segredo de Roberto Bolaño? Por que sua prosa é tão agradável? Longe de uma "literatura fácil", o escritor chileno articula diversos discursos com uma qualidade invejável. Isso não é diferente no livro Amuleto. O romance é pequeno e deriva de um dos relatos de Os Detetives Selvagens. Mas a obra está longe de ser repetitiva. Então quais as referências ajudam a dar tanta qualidade ao livro?
Primeiramente a poesia é indispensável para a composição. O final do romance tem uma força lírica de arrepiar. Lindos versos fazem um dos elogios mais comoventes a uma geração de poetas caídos em um precipício. Bolaño foi, desde o início de sua escrita, um bom poeta. A composição romanesca de Amuleto é salpicada de imagens belíssimas. Não é à toa que esse final do livro é chamado de "canto".
Isso explica a beleza, o choro no final. Todavia, existe um certo fascínio em Amuleto que nos prende. Desde a poeira valorizada no início até o estranhamento de encontros inusitados, uma tensão está estabelecida. A narradora está presa em banheiro de Faculdade invadida pela polícia da Ditadura e faz o inventário de toda uma era. Invariavelmente ela está com medo de ser encontrada. Episódios são construídos a partir de tensão crescente. Isso evidencia outra grande influência de Bolaño: a literatura policial. Boa parte da qualidade de um estilo delicioso e fluente vem desse magnetismo criado no romance negro.
Mas, no final desse tipo de literatura, tudo se resolve. Não acontece o mesmo com a obra de Bolaño. Existe certo estranhamento indecifrável na composição da obra. O escritor chileno tem uma visão bastante singular da realidade e da história. Em todas as suas entrevistas, ele denuncia um tom muito crítico, muito contestador. Dessa maneira, a forma do romance é distorcida em torno do enigma. Uma resolução fácil que agradaria ou não a todos é dispensada. A crítica a uma sociedade de símbolos vazios e de autoritarismo atroz irrompe de uma prosa que quer escancarar as feridas da América Latina traumatizada.
A literatura de Bolaño tem, por isso, diversos corações. Não existe um segredo específico. Existe técnica literária aplicada com raro talento em um estilo manipulado com um comprometimento ético singular. O escritor chileno elege seus precursores, criando o seu cânone, o seu Olimpo. Seus discursos são apenas ferramenta. Assim como Kafka, a escrita de Bolaño sempre resiste, como que dando uma resposta poética a um real insolente, bruto demais.
domingo, 22 de janeiro de 2012
On The Road...
Por que uma grande literatura é uma grande literatura? As respostas são muitas. Peguemos um livro exemplar: On The Road. Nessa obra, Jack Kerouac lança as bases de um movimento que ficou conhecido como beat. Não é por isso que temos um bom romance. O livro de Kerouac não se tonou uma grande referência porque fez um retrato de jovens inconformados com um cotidiano pacato e questionaram o modo de vida americano. Muito menos podemos afirmar que Kerouac surfou na onda da grande indústria cultural que queria mais um produto para ser comercializado. O autor conseguiu na obra apresentar uma tendência de modo amplo e explico-me, sendo menos evasivo.
On The Road possui sim um estilo bruto e cru que lhe confere certo charme. A construção linguística passa longe da língua mais empolada, mas, ao mesmo tempo, não observamos o famoso estilo límpido. O texto de Kerouac, sensivelmente modificado durante a edição em função de uma primeira versão de um único parágrafo, é forte no estilo mais sujo possível. A obra poderia ser muito mais dilapidada, mas uma força começa a surgir das palavras justamente dessa sujeira.
Mas a questão na para aí. Esse estilo poderia ser usado para louvar uma geração facilmente romantizada. Apesar de muitos afirmarem o contrário, a força do livro não vem de um elogio cego do "carpe diem" beat. Ele mostra a beleza do questionamento de uma sociedade americana sem graça sim. Entretanto, a força do livro está contida justamente no seu nível mais tenso: On The Road já contem todas as críticas mais duras ao egoísmo do jovem que pega um carro e cruza um país esquecendo os seus. Ele faz o elogio e a crítica. Isso me Lembra muito a cena de Os Sonhadores em que o pai precisa deixar um belo cheque para que as cenas lindas do filme continuem. Dentro do filme, um dos maiores elogios à geração de 68, já existe a crítica a jovens que questionavam o poder central e gritavam por sexo livre de maneira lírica ao mesmo tempo em que tinham amparo na estrutura dos "pais burgueses alienados".
Da mesma forma, On The Road critica com riqueza de argumentação a busca pelo prazer desmedido. O livro aponta todo o lirismo de uma geração que buscou aventura e todo o egoísmo dessa busca desmedida pela intensidade da vida. O estilo sujo está no meio dessa tensão da obra e a amplifica. On The Road, então, é um grande livro justamente porque está cindido em duas vertentes claras: o prazer e a responsabilidade. Se tu és responsável por aquilo que cativas, o narrador do livro conhece bem o outro lado da geração beat. A poesia do livro está justamente em um estilo sujo e limpo, prazeroso e conscientemente irresponsável, como uma estrada limpa com um carro a 150 Km sob o sol de meio dia.
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