Primeiramente a poesia é indispensável para a composição. O final do romance tem uma força lírica de arrepiar. Lindos versos fazem um dos elogios mais comoventes a uma geração de poetas caídos em um precipício. Bolaño foi, desde o início de sua escrita, um bom poeta. A composição romanesca de Amuleto é salpicada de imagens belíssimas. Não é à toa que esse final do livro é chamado de "canto".
Isso explica a beleza, o choro no final. Todavia, existe um certo fascínio em Amuleto que nos prende. Desde a poeira valorizada no início até o estranhamento de encontros inusitados, uma tensão está estabelecida. A narradora está presa em banheiro de Faculdade invadida pela polícia da Ditadura e faz o inventário de toda uma era. Invariavelmente ela está com medo de ser encontrada. Episódios são construídos a partir de tensão crescente. Isso evidencia outra grande influência de Bolaño: a literatura policial. Boa parte da qualidade de um estilo delicioso e fluente vem desse magnetismo criado no romance negro.
Mas, no final desse tipo de literatura, tudo se resolve. Não acontece o mesmo com a obra de Bolaño. Existe certo estranhamento indecifrável na composição da obra. O escritor chileno tem uma visão bastante singular da realidade e da história. Em todas as suas entrevistas, ele denuncia um tom muito crítico, muito contestador. Dessa maneira, a forma do romance é distorcida em torno do enigma. Uma resolução fácil que agradaria ou não a todos é dispensada. A crítica a uma sociedade de símbolos vazios e de autoritarismo atroz irrompe de uma prosa que quer escancarar as feridas da América Latina traumatizada.
A literatura de Bolaño tem, por isso, diversos corações. Não existe um segredo específico. Existe técnica literária aplicada com raro talento em um estilo manipulado com um comprometimento ético singular. O escritor chileno elege seus precursores, criando o seu cânone, o seu Olimpo. Seus discursos são apenas ferramenta. Assim como Kafka, a escrita de Bolaño sempre resiste, como que dando uma resposta poética a um real insolente, bruto demais.